Artigo: 137 anos da assinatura da Lei Áurea e a história continua


Por: Alzira Costa (@alzira.jornalista)


Da queima dos documentos da escravatura no dia 13 de maio de 1891 por Ruy Barbosa no Rio de Janeiro ao desmonte da Sociedade Montepio dos Artistas Cachoeiranos em 2025

Os fios que alinhavam essas duas tramas históricas são as insistentes iniciativas de apagamento da história do povo negro no Brasil.

No dia 13 de maio de 1891, dois anos após a assinatura do decreto da Abolição da Escravatura no Brasil, Ruy Barbosa, então ministro da Fazenda do governo do marechal Deodoro da Fonseca, para celebrar a data, reuniu toda documentação fazendária de compra e venda de escravizados no país, e queimou numa fogueira no centro do Rio de Janeiro, então capital da recém instalada República.

O ministro justificou o seu ato como uma medida preventiva para evitar que ex-donos de escravizados cobrassem indenizações da República pela libertação de homens e mulheres que lhes pertenciam. A queima da documentação impediu que ex-escravizados e descendentes conhecessem as suas origens.

Saltamos para o século XXI para Cachoeira, cidade histórica do Recôncavo Baiano, onde a população testemunha a destruição da Sociedade Montepio dos Artistas Cachoeiranos, entidade paramaçônica, assistencialista e abolicionista fundada em 21 de fevereiro de 1874 por um grupo de amigos liderados pelo advogado Aristides Milton e o jornalista Ramiro Chagas. A Sociedade abrigava todos artífices, na sua maioria negros e mulatos.

Sede do Montepio
Montepio celebra abolição da escravatura em 13 de maio de 1888 - Há 137 anos, domingo, 13 de maio de 1888, a Sociedade Montepio dos Artistas Cachoeiranos abre as janelas e a porta da sua sede própria, localizada na Rua Direita da Praça, n° 17( atual Rua 25 de Junho) para celebrar a assinatura da Lei Áurea pela princesa Isabel, no Rio de Janeiro. 

A notícia chegara à Cachoeira no mesmo dia. Para comemorar o ato, a direção do Monte Pio convocou imediatamente uma sessão especial. O salão nobre da sociedade lotou naquela tarde do dia histórico.

A lei que extinguia o regime escravocrata no Brasil fora recebida com muita euforia pelos membros do Montepio, que eram abolicionistas e lutavam pelo fim da escravidão.

Na histórica reunião, oradores se revezaram para exaltar o importante ato. O promotor público da Comarca de Cachoeira Pedro Vieira de Alvin e o advogado José Joaquim Vilas-Boas, foram dois dos que discursaram.

Na sessão foi aprovado o texto de um telegrama que a entidade enviaria ainda naquele mesmo dia à princesa Isabel , assinado pelo presidente José Maria Belchior.

O texto do telegrama foi lido em voz alta de uma das janelas da sede própria para toda multidão que se comprimia na rua naquele momento. 

Oito mil pessoas celebravam em frente à sede do Montepio. Ao ato junta-se o maestro abolicionista Manoel Tranquilino Bastos, à frente da Filarmônica Euterpe Ceciliana. Sob a batuta do maestro, então com 37 anos, um mulato filho de uma ex-escrava alforriada e de um português, a filarmônica desfila executando alegres composições, seguida por uma animada multidão que gritava "Viva a liberdade".

"A filarmônica avança pelas ruas iluminadas a lampião com destino a Rua Direita da Praça (atual 25 de Junho), onde fica a sede do Montepio. Logo após a aprovação do texto do telegrama que seria enviado à Princesa Isabel, a Euterpe Ceciliana, vinda da Rua de Baixo (atual 13 de Maio), irrompe na Rua Direita da Praça com a sua ruidosa passeata. Além da Euterpe do Maestro Tranquilino Bastos, outra filarmônica também participou da comemoração em frente à sede do Montepio". (Trecho do livro "Semeador de Orquestras" - História de Um Maestro Abolicionista, de autoria do jornalista Jorge Ramos).

Detalhes desse histórico dia estão descritos na ata de 13 de Maio do Montepio dos Artistas.

13 de Maio de 2025

Nesta terca- feira, 13 de Maio de 2025, às 20h, a filarmônica fundada por Tranquilino Bastos e rebatizada como Sociedade Orpheica Lyra Ceciliana refaz o mesmo trajeto daquele 13 de maio de 1888, para comemorar 155 anos de existência. 

Como fez o maestro há 137 anos, os músicos farão uma parada na frente da sede própria do Montepio, na antiga Rua Direita da Praça( atual 25 de Junho) n° 17. Diferentemente de anos anteriores, a Sociedade Orpheica Lyra Ceciliana irá encontrar um prédio fechado, sombrio, depredado por atos de vandalismo, marcas de uma disputa violenta que corre na Justiça e nas ruas.

"Há em curso um projeto de desmonte da Sociedade Montepio dos Artistas Cachoeiranos, com depredação e ataques ao seu patrimônio", denuncia por meio das redes sociais e da imprensa local, o advogado Nelson Aragão Filho, atual presidente da entidade.

 Aragão afirma que depois que foram iniciados os ataques à sede própria do Montepio registrados com fotografias e vídeos, sentiu a falta de documentos preciosos da entidade. " "Querem acabar e apagar com a memória do povo negro de Cachoeira com esses ataques aos prédios e a sede do Montepio; há indícios de uma articulação orquestrada envolvendo gananciosos, racistas e vândalos", desabafa.

  Ele revela que, ao ser eleito, pretendia implementar uma nova dinâmica ao Montepio com projetos e parcerias com instituições a exemplo de universidades para tornar a entidade um centro de referência para a pesquisa do movimento assistencialista e abolicionista de Cachoeira no século XIX. Ainda de acordo com Aragão, ele também pretendia fomentar cursos e oficinas para jovens em artes e ofícios que estão desaparecendo. 

Seus planos, ainda segundo ele, contemplam a abertura de espaços nos imóveis do Montepio para empreendedores afrodescendentes. Nelson Aragão disse que projetos foram suspensos depois que o Montepio passou a ser alvo de ataques e de demandas judiciais. " Infelizmente, a entidade está sob a mira de intolerantes, racistas e gananciosos que demonstram estar determinados a destruir todo o legado dos fundadores do Montepio dos Artistas Cachoeiranos", lamenta.

Sociedade Montepio dos Artistas Cachoeiranos 

O Montepio na sua origem era aberto para não- maçons, embora seguisse as mesmas convicções filosóficas das lojas estava para além de suas ritualísticas. Possuía o compromisso de auxiliar seus sócios na invalidez, doença, prisão e na velhice, além de fornecer pensão vitalícia em caso de morte para seus dependentes.

Sócios maçons do Montepio fundaram a Loja Maçônica Capitular Caridade e Segredo em 1878. Tempos depois constituíram a Sociedade Libertadora. Tanto o Montepio como a Sociedade Libertadora abrigavam entre seus membros, abolicionistas, escravocatas, conservadores, liberais e depois republicanos. Essas e outras informações que reafirmam a importância histórica da entidade estão registradas em documentos, atualmente, em risco de desaparecer por causa dos conflitos entre um grupo de pessoas da cidade e o advogado Nelson Aragão, presidente eleito por antigos associados para presidir a entidade.

A documentação, ora, em risco serviu de base para a pesquisa e elaboração da dissertação de mestrado em 2020 da pesquisadora Míria Cachoeira com o tema "Instituições Paramaçônicas na Bahia: Sociedade Montepio dos Artistas Cachoriranos - 1874- 1890", tendo como orientador o professor, Dr. Nicolau Parés, da Pós Graduação Multidisciplinar Estudos Étnicos e Africanos- Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia.







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